BRASÍLIA, CIDADE PLANEJADA para ser a capital do Brasil, completou 60 anos em 21 de abril de 2020. Chamados de candangos, seus construtores costumavam dizer que “antes, tudo era só mato”. Em parte, tinham razão. Até eles tirarem do papel o projeto urbanístico de Lucio Costa e os prédios de Oscar Niemeyer daquele que viria a ser o primeiro núcleo moderno tombado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, o Planalto Central era praticamente só Cerrado. Mas, muito tempo atrás, já havia vida humana na região.
Milhares de anos antes do desembarque dos primeiros candangos, que começaram a chegar em 1957 vindos de todas as partes do país, seres habitavam o Cerrado hoje ocupado pelo Distrito Federal e por Goiás. Eram povos nômades, que buscavam abrigo em grutas nos meses mais frios. No verão, saíam para caçar. Esse modo de vida está descrito em cavernas e paredões de pedra da região. Nas paredes dessas casas rudimentares, os legítimos pioneiros ilustravam o cotidiano em pinturas de animais e descrições de caçadas.
Os vestígios dos ancestrais candangos estão espalhados por fazendas do Entorno do Distrito Federal — região que envolve cidades mineiras e goianas vizinhas à capital — e até em áreas superpovoadas de Brasília. Nos pastos e nas plantações de fazendas e no que resta de Cerrado em área urbana, estão milhares de machadinhas, pontas de lanças e outros artefatos. Há ferramentas fabricadas entre 4 mil e 12 mil anos atrás, hoje ignoradas e pisadas por humanos, cavalos, bois e outros animais. Arqueólogos resgataram algumas dessas peças, devidamente acondicionadas para pesquisa e até expostas em museus.
Alguns dos maiores tesouros pré-históricos da região estão na goiana Formosa, a 80 quilômetros de Brasília. São pinturas rupestres que enfeitam sete das 29 grutas catalogadas no município. Os homens das cavernas também deixaram gravuras em dezenas de cavernas, paredões e pedras encravadas no meio do cerrado do município de 88 mil habitantes.
As grutas de Formosa estão numa faixa de morros rochosos entre a Serra Geral do Paranã e o Espigão Mestre da Serra Geral, no vão do Paranã, em Goiás, famoso mundialmente como um dos melhores pontos para voos de asa-delta e parapente. Os blocos se estendem por 8,5 quilômetros e é o divisor de águas entre os rios Paranã e Bandeirinha.
A aparente descontinuidade da formação, com quatro picos mais elevados — que na verdade são apenas a ponta de uma montanha rochosa soterrada ao longo de milhares de anos —, levou os moradores da região a batizar o bloco maior de Lapa da Pedra. É nessa área, com 1,8 quilômetro de extensão, que se concentra o maior número de grutas e pinturas rupestres.
Pesquisadores acreditam que os homens das cavernas tenham usado um tipo de pincel feito especialmente para suas obras de arte nesse cenário, além dos próprios dedos. As pinturas estão nítidas, levando-se em conta o desgaste sofrido em tanto tempo de exposição. Algumas foram feitas a até 7,5 metros do solo. A maioria tem um só tom: vermelho, laranja, vinho e preto. Poucas têm associação de duas cores.
As representações são variadas. Muitas se referem a animais, como tatus e veados. Também há marcas de pés, com quatro, cinco e seis dedos e desenhos primários de pessoas. Mas há muitas gravuras ainda não decifradas pelos cientistas. Elas têm formatos geométricos e tradições astronômicas. Os pesquisadores supõem ser retratos do céu, das diversas constelações.