Esforço conjunto
Como os pequeninos filhotes tinham praticamente o mesmo tamanho, é provável que não tenham sido capturados na natureza, diz Sullivan. Provavelmente tenham sido incubados no laboratório ou no porão de alguém. Isso por si só não seria um impedimento para soltá-los na natureza, mas as tarântulas estão adaptadas a “microcosmos bioclimáticos muito específicos”, explica Sullivan, o que tornaria extremamente difícil devolvê-las ao tipo de habitat ideal.
Além de suas atribuições no Zoológico Woodland Park, Sullivan é presidente do Grupo Consultivo Taxonômico de Invertebrados Terrestres, formado por membros da Associação de Zoológicos e Aquários. Por meio dessa rede, ela identificou 10 organizações nos Estados Unidos com capacidade e experiência para dar um bom lar às tarântulas.
No primeiro semestre de 2019, com a aprovação do Serviço de Pesca e Vida Selvagem, Sullivan começou a colocar as aranhas em fase de crescimento em recipientes de plástico com espaço suficiente para esticarem as pernas, mas não tão grande a ponto de haver a possibilidade de se machucarem com um tranco durante o transporte. Em seguida, ela despachou os pacotes de animais felpudos para seus próximos destinos, incluindo o Museu de História Natural de Los Angeles; o Zoológico Brevard, em Melbourne, Flórida; o Parque Biológico de Albuquerque, no Novo México; e o Jardim Botânico e Zoológico de Cincinnati, em Ohio.
“Fazemos de tudo para que o deslocamento seja o menos estressante possível”, diz Sullivan, e o serviço de entrega expressa que chega no dia seguinte reduz o tempo de viagem.
Exposição corporal
O Zoológico de Insetos da Universidade de Purdue, em West Lafayette, Indiana, recebeu quatro caranguejeiras-rosa-salmão-brasileiras do tamanho de uma moeda no segundo semestre de 2019 e um par de caranguejeiras-gigantes-de-patas-brancas do tamanho de um punho no início de agosto de 2020.
Mesmo quando se toma cuidado durante o transporte, o processo pode ser traumático, e para uma delas — a caranguejeira-gigante-de-patas-brancas que ficaria conhecida como Lil’ Kim — ficou particularmente difícil. Quando chegou em Indiana, ela havia arrancado quase todos os pelos de seu abdômen, o que acabou revelando um “traseiro calvo de tarântula”, como tuitou Gwen Pearson, coordenadora de divulgação do Departamento de Entomologia da Universidade de Purdue e gerente do zoológico de insetos.
Os pelos farpados no traseiro da tarântula, que causam irritação ao entrar em contato com a pele ou com os olhos, ajudam a repelir predadores. Mas o estresse também pode fazer a tarântula perder os pelos, um comportamento semelhante ao de um papagaio que arranca sua plumagem.
Foi o que Lil’ Kim fez durante sua viagem de Seattle a Purdue. “Sinceramente, eu nunca tinha visto nada tão grave assim. Ela estava tão infeliz”, diz Pearson.
Em relação a como a aranha ganhou seu nome memorável, Pearson explica que o zoológico já tinha uma caranguejeira-gigante-de-patas-brancas fêmea adulta batizada em homenagem a Kim Kardashian. Então, quando apareceu a tarântula menorzinha, Pearson disse que fazia sentido chamá-la de Lil’ Kim, que é uma rapper norte-americana, cujo nome significa Pequena Kim.
Em busca de um propósito
Exibir tarântulas interceptadas por autoridades e contar suas histórias (principalmente quando têm um toque pessoal) pode ajudar na conscientização sobre o comércio ilegal e evitar que outros animais sejam roubados da natureza.
“Essas tarântulas são incrivelmente úteis para ensinar as pessoas”, diz Pearson. Mesmo que os visitantes não tenham permissão para manuseá-las (suas presas “poderiam atravessar um dedo”), vê-las de perto pode ajudar as pessoas a apreciar a beleza das aranhas gigantes.
Em alguns casos, as tarântulas salvas fornecem informações de diversidade genética para aprimorar os programas de reprodução em cativeiro. Assim como os zoológicos gerenciam a genética de leões e tigres em cativeiro, Pearson diz que cada aranha recebe um código que é inserido em um livro genealógico de tarântulas para determinar quais cruzamentos futuros seriam benéficos ou não. “Será preciso tomar cuidado para não fazer acasalamento com seus irmãos que foram adotados por outros zoológicos”, explica Pearson.
Enquanto espécies como a caranguejeira-gigante-de-patas-brancas são comparativamente comuns em cativeiro, muitas outras são raras, como a Poecilotheria metallica, uma tarântula de cor azul-cobalto nativa da Índia. Isso faz com que qualquer animal confiscado seja ainda mais valioso para a manutenção de populações cativas saudáveis.
“Os animais selvagens estão sob forte pressão, mas é um fato muito pouco conhecido que os aracnídeos, e principalmente as tarântulas, enfrentam muita pressão no momento em que são capturadas”, conta Paige Howorth, Diretora da Família McKinney de Cuidado e Conservação de Invertebrados no Zoológico de San Diego, na Califórnia. Seu zoológico não recebeu nenhuma das 250 aranhas da apreensão no aeroporto de Seattle–Tacoma, mas cuida de outras tarântulas confiscadas anteriormente.
“É uma oportunidade dupla ensinar sobre a importância das tarântulas como predadoras do ecossistema e destacar sua perda de habitat e a captura em excesso”, diz Howorth. Também é uma oportunidade de mostrar aos visitantes “que podemos fazer a diferença na conservação da vida selvagem se tivermos consciência de tudo isso”.
Todos os especialistas entrevistados para esta matéria enfatizaram a importância de pesquisar antes de comprar um animal para ser criado como bicho de estimação. Os proprietários não somente devem entender o que é necessário para cuidar do animal, como também devem estar cientes se o comércio de uma espécie em particular é sustentável e legalizado.
Se os compradores não tiverem certeza, Erin Sullivan recomenda entrar em contato com um zoológico local. “Estamos sempre dispostos a ajudar”, diz ela.
Lil’ Kim parece ter superado suas adversidades. Apenas algumas semanas depois de chegar a Indiana com o traseiro calvo, a tarântula trocou seu exoesqueleto e ostentou um traseiro peludo, novinho em folha, conta Pearson.
O que é uma boa notícia porque essa aranha tem um trabalho importante a fazer.