SE FOSSE possível explorar a superfície da Terra há um bilhão de anos, o mais notável seriam as características pouco notáveis do planeta. Não havia árvores, nem insetos, nem aves no céu. A única forma de vida era minúscula e rudimentar, uma mistura oceânica viscosa.
Um novo estudo publicado na revista científica Science destaca outro aspecto que poderia estar ausente na época: montanhas.
As placas tectônicas agitadas da Terra como a conhecemos hoje se deslocam continuamente, em uma dança lenta que remodela a superfície do nosso planeta. As colisões entre continentes espessam a crosta terrestre e elevam montanhas, como a Cordilheira do Himalaia, que parece subir cada vez mais alto em direção ao céu.
Mas vestígios gravados em cristais minúsculos de zirconita, formados nas profundezas da Terra, sugerem que as placas tectônicas nem sempre se comportaram da mesma forma. No período entre 1,8 e 0,8 bilhão de anos atrás — uma época apelidada de “bilhão entediante” — os continentes pareciam cada vez mais delgados. O motivo exato desse afinamento geológico permanece desconhecido. Mas em sua forma mais delgada, a superfície terrestre era cerca de um terço mais fina do que atualmente, uma mudança que, conforme sugerem os pesquisadores, pode ter sido causada em parte por uma desaceleração no movimento das placas tectônicas.
Os pesquisadores também supõem que essa crosta fina possa ter atrasado a evolução da vida como a conhecemos. As montanhas pequenas teriam retardado a erosão das rochas do planeta, limitando o suprimento de nutrientes vitais às criaturas dos oceanos.
“Aquela foi uma época de fome nos oceanos”, afirma Ming Tang, geoquímico da Universidade de Pequim, China, e autor principal do estudo recente. Mas logo depois que os continentes voltaram a ficar mais espessos, uma onda de nutrientes pareceu conduzir a evolução a uma vida cada vez mais ampla e complexa.
“O artigo traz mais perguntas do que respostas”, afirma Christopher Spencer, geoquímico especializado em placas tectônicas da Queen’s University, no Canadá. Mas de forma geral, segundo ele, o estudo pode servir de ferramenta para compreender melhor o surgimento de nosso mundo moderno.
Interpretando as rochas
Tang analisava rochas de granito do Himalaia, ao sul do Tibete, quando percebeu um padrão intrigante de zirconita em seus cristais. Essas minúsculas cápsulas do tempo se formam à medida que o magma esfria dentro da Terra, registrando as impressões digitais químicas de condições antigas de nosso planeta — e são quase indestrutíveis. Os pesquisadores encontraram zirconitas formadas logo após o nascimento da Terra, há quase 4,4 bilhões de anos.
Tang notou que a composição química dos cristais de zirconita nas amostras tibetanas mudava em função da espessura continental na época da formação de suas rochas originais.
Anteriormente, os cientistas haviam calculado a espessura continental determinando as quantidades relativas dos elementos lantânio e itérbio nas rochas, explica Tang. Mas usar a própria rocha para vislumbrar o passado é difícil porque restaram poucas rochas inteiras desde os primórdios da Terra, deixando lacunas na história geológica.
“Seria como ler um romance com somente 25% da história em mãos”, ilustra Peter Cawood, geólogo da Universidade Monash,na Austrália, que não participou do estudo. A resistência das zirconitas, entretanto, permite aos cientistas vislumbrarem uma história muito mais completa do passado do nosso planeta.
Tang e sua equipe desenvolveram uma nova forma de uso de zirconita para estimar a espessura continental: verificaram que a quantidade do elemento európio nos cristais mudava de forma concomitante à espessura, mensurada utilizando métodos químicos anteriores de análise de rochas.
Tang e sua equipe publicaram seu novo modelo no ano passado, no periódico Geology, e imediatamente começaram a aplicar essa nova ferramenta. Eles reuniram dados de zirconitas estudadas anteriormente em todo o mundo — mais de 14 mil ao todo — e desenvolveram gráficos com as mudanças químicas ocorridas ao longo do tempo. Um padrão impressionante foi observado: um estreitamento constante da crosta durante o chamado ‘bilhão entediante’.
“Não era um resultado que esperávamos ver”, afirma Tang, referindo-se ao padrão. O afinamento coincidia com o desaparecimento de muitos outros marcadores da formação de montanhas antigas que haviam sido identificados anteriormente no registro de rochas. A composição do estrôncio, relacionada à erosão, havia sido alterada drasticamente. Da mesma forma, os elementos molibdênio e urânio praticamente desapareceram das rochas marinhas. E as rochas ricas em fósforo se tornaram escassas.
“Tudo isso pode ser explicado por nosso modelo com continentes muito mais planos”, observa Tang.