O jogo foi testado e se mostrou muito bem-sucedido. Ele não apenas ampliou a compreensão sobre a doença e a autoestima dos pacientes, como também a sua adesão ao tratamento: eles passaram a se submeter às terapias de modo mais ativo, efetivamente ampliando sua qualidade de vida.
As regras de um jogo digital não apenas contam uma história, mas formam um sistema dinâmico de causas e efeitos, capaz de demonstrar ao jogador o funcionamento de processos que não seriam claros se explicados de uma maneira textual e linear. Os malefícios do fumo no organismo, o ciclo de transmissão e infecção do HIV, o impacto da poluição na vegetação e suas consequências na saúde, todos esses são exemplos de sistemas dinâmicos complexos, que, embora difíceis de se explicar textualmente, podem ser modelados na forma de regras de um jogo, permitindo ao jogador interagir com elas e aprender em primeira mão as consequências de cada mudança no sistema.
Além disso, merece destaque a relação entre o jogador e sua representação no jogo, ou seu avatar, como é chamado. O psicólogo sino-americano Nick Yee, especializado em jogos digitais, defende que existe uma relação de identificação entre o jogador no mundo real e seu avatar no mundo virtual do jogo. Não no sentido de que o jogador ‘se torna’ o avatar, mas sim no de que o jogador, ao usar o avatar para interferir no jogo, acaba se influenciando pelas características positivas dele, modificando em algum grau o seu próprio comportamento.
Esse fenômeno, chamado por Yee de ‘efeito Proteus’, seria, por exemplo, responsável pela mudança de atitude de muitos jogadores tímidos, que, ao jogar com personagens mais poderosos, passam a ser mais decididos nas conversas com outras pessoas on-line. E, em alguns casos, chegam a trazer essa mudança no relacionamento com as pessoas no mundo real.
Nesse aspecto, a ideia do avatar como um ‘corpo digital’, combinada ao efeito Proteus, torna-se um importante fundamento para os jogos de saúde, que defendem que, se o jogador aprender formas de cuidar melhor do ‘bem-estar’ e da ‘saúde’ do seu avatar dentro do jogo, esse conhecimento pode, de algum modo, transbordar para além do jogo e impactar sua vida de forma positiva, melhorando sua saúde no processo.
Participação: do virtual para o real
Por último, mas não menos importante, quando se pensa em saúde no Brasil, é necessário resgatar uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS): a da participação da comunidade na construção de políticas públicas de saúde. A ideia de fundo é empoderar a população para que ela também possa decidir ativamente sobre o sistema de saúde que a serve.
Historicamente, sempre foi difícil fomentar essa participação, ainda mais levando-se em conta que grande parte da comunicação em saúde no Brasil ocorre em mídias de massa tradicionais, como impressos e televisão, meios de comunicação unidirecionais, que não permitem um diálogo com o público e que muitas vezes são consumidos passivamente por este.
Ao contrário das mídias anteriores, que permitem a contemplação passiva, jogos são participativos por natureza, requerendo forçosamente a interação. Assim, o envolvimento do jogador tende a ser sempre mais intenso e, nesse processo, ele apreende não apenas o conteúdo de saúde do jogo, mas interage de forma criativa com as suas regras, elaborando estratégias e testando-as dinamicamente, muitas vezes de modo cooperativo com outros jogadores.
Embora essa participação não seja exatamente igual à preconizada pelo SUS, interagir em um videogame e lidar dentro dele com aspectos de saúde pode ser um passo importante naquela direção.
Ao ver os sistemas sociais modelados em regras de jogo, o jogador pode interagir com elas, compreender melhor seu funcionamento, sua lógica e suas contradições. Trazendo esse conhecimento para fora do jogo, esse processo tem o potencial de deixar claras as relações de causa e efeito na sociedade – onde as regras existem, mas não são tão evidentes como em um jogo – e de fazer perceber que essas relações podem ser alteradas para se tornarem mais equilibradas e justas.
Assim, de um potencial negativo que muitos ainda insistem em atrelar aos jogos digitais, podemos passar a pensar nas possibilidades positivas de se transformar o jogador e até de impactar o ambiente fora do jogo, mudando o mundo para melhor durante esse processo. Se os jogos puderem contribuir com isso, todos nós seremos vencedores.